April 20, 2006

Solidão


E não me digam não
que é uma invenção
este desejo antigo
de correr e nadar
e estirar-me no chão
para saber que vivo
este amor pelo mar
este querer salvar o mundo
esta grande ternura
pelo pobre e pelo vagabundo
E se não é o seu o meu trilho
eu só
nas noites de luar
ao olhar o céu
sinto pássaros ardentes
a esvoaçar
na espuma das núvens
e estico a mão
ao ver sorrir as estrelas
no seu brilho
E não me digam não
que é uma invenção
ver as árvores morrer de pé
e eu ali
com uma núvem na mão
um olhar petrificado
sentindo frio em pleno verão
e não querer olhar
indiferente
nem o céu estrelado
nem o poente
e gostar do lindo vestido do vento
feito de areia
e senti-la fustigar-me o rosto
com raiva de inimigo
e não soltar um só gemido
só para saber se vivo
mesmo sem bandeira
E não me digam não
que é uma invenção
este não desejo de chorar
porque não
não é uma invenção
a minha solidão

Dezembro, 1971 (mas podia ter sido escrito hoje)