A MENINA DO MAR

Marilia, Março de 2006 (pintado só com os dedos)

I
Porque será que o Sol
se esconde
quando percorro
meu jardim imaginado
suspenso de calor e de flores?
Meu paraíso encantado
onde corria, ria, cantava sem temores?
Porque será que as flores
baixam as corolas azúis
e o meu regato de águas verdes e escuras
ficou de repente lamacento
quando o interroguei num lamento?
Foi a minha tisteza
que mergulhou no Sol e nas flores,
no regato
e mudou o tom das cores!
Já não sou mais a Princesa-do-Sol-Brilhante
mas a Rainha-das-Noites-Sem-Luar!
Agora vagueio sem correr, rir, ou olhar
vagueio sentada em núvens:
numa cavalgada percorro a noite e o mar...
Quando eu era a Princesa-do-Sol-Brilhante
dançava ao luar e abria os braços ao mundo
e foi numa noite de ventanias
que encontrei o Rei-das-Alegrias!
Porém agora
que sou a Rainha-das-Noites-Sem-Luar
escondo-me por vezes
em poços sem fundo
e são dedos de angústia
que me apertam
e é um cheiro nauseabundo
Então,
procuro a minha velha árvore sem raízes
e oca
é como um vestido de dias infelizes
de angústia louca
e vou pelo meu jardim
à beira do regato
à procura
do Príncipe-das-Noites-Sem-Fim
II
Meu mais belo presente onde o terei para to dar?
Queria para ti o mais belo poema!
Porém como
se não sou eu que canto
e do céu cai uma núvem no meu espanto?
Que dizer-te hoje?
Onde as palavras?
Pudesse eu dar-te o mar
soberbo de vagas
ou farrapos de núvens
retalhados em ventanias!
Tudo menos este amor térreo de todos os dias!
Queria ser poeta
e compor o mais velo verso,
queria ter um filho com estrelas no berço,
a sorrir de mim para ti:
Eu, a Rainha-das-Noites-Sem-Luar
Tu, o Príncipe-das-Noites-Sem-Fim
III
E porque hoje de súbito
o Sol caiu num charco
do meu jardim
eu vim trazer-te a esperança
numa rosa orvalhada
e se ontem me sentia já amortalhada
hoje tenho confiança
e vou de novo apanhar estrelas
mo meu regato verde e escuro
e depois de colhê-las
envio-tas nas núvens
num céu de ventanias
para que nelas vejas
sorrisos meus
a cheirar a melodias.

Novembro 1971